Resenha de Amêndoas, de Won-pyung Sohn
Alguns livros não gritam, não pedem atenção – eles apenas se aproximam devagar, te tocam com mãos gentis e deixam uma marca permanente. Amêndoas, de Won-pyung Sohn, publicado originalmente em 2017 e lançado no Brasil pela editora Rocco, é exatamente assim.
Este é um romance sul-coreano contemporâneo, que transita entre o drama psicológico e o coming-of-age, com uma narrativa minimalista, mas cheia de significado. A história gira em torno de Yunjae, um adolescente que vive com alexitimia — um distúrbio neurológico que o impede de identificar ou expressar emoções. Isso já seria desafiador em qualquer lugar do mundo, mas na sociedade coreana, marcada por expectativas sociais e pressões silenciosas, se torna uma carga ainda mais pesada.
Mas o que acontece quando a vida exige que você sinta? Como você se reconstrói sem ter os mapas emocionais que a maioria das pessoas recebe de nascença?
Título Original: 아몬드
Título em Português: Amêndoas
Tradutor/Tradutora: Yonghui Qio Pan
🌰 Amêndoas – Won-pyung Sohn
📖 Uma história doce, crua e profundamente humana sobre sentir – ou não conseguir sentir.
A História de Amêndoas começa com uma calma quase enganosa. Yunjae vive com sua mãe e sua avó em um pequeno apartamento acima de uma livraria de usados. Desde pequeno, sua mãe o treinou para reagir corretamente diante das situações — sorria quando alguém sorri, abrace quando alguém chora. Como se viver fosse uma peça de teatro em que ele aprendeu as falas de cor, mas nunca compreendeu os sentimentos por trás delas.
Tudo muda em um único ato de violência. A vida de Yunjae é virada do avesso em um piscar de olhos. E aí vem o silêncio. O tipo de silêncio que não é apenas ausência de som, mas ausência de chão.
O que se segue é a lenta, dolorosa, mas incrivelmente bela jornada de um garoto tentando entender o mundo — e a si mesmo — em meio a um mar de emoções que ele não sabe nomear. Ao longo da narrativa, ele conhece Gon, um adolescente explosivo, agressivo, mas também quebrado. É nessa relação entre dois extremos — o que sente demais e o que não sente nada — que o livro encontra sua maior força.
É uma história de amadurecimento sem grandes reviravoltas. O drama está nos detalhes, nas palavras não ditas, nas reações contidas. A sensação é de acompanhar o desabrochar lento de uma alma.
Yunjae
Yunjae é um dos protagonistas mais singulares e cativantes que já li. Sua falta de expressão emocional não o torna frio — pelo contrário, é justamente essa ausência que te faz sentir por ele. A autora faz um trabalho sensível ao mostrar que não sentir não é o mesmo que não se importar. Yunjae se importa, sim — com sua mãe, com a avó, com as pessoas que entram em sua vida — mas à sua maneira, silenciosa e introspectiva.
Acompanhar sua jornada é como ver uma semente brotar em solo árido. Não há pressa, não há espetáculo. Mas cada pequeno gesto, cada reconhecimento do que é tristeza, do que é carinho, do que é perda, vale ouro. Yunjae é a prova viva de que a empatia pode nascer mesmo onde a emoção não floresce facilmente.
Gon
Se Yunjae é a quietude, Gon é o caos. Um garoto problemático, impulsivo, às vezes cruel, mas que carrega uma dor imensa por trás da postura agressiva. Ele é o oposto emocional de Yunjae, e essa dicotomia constrói uma das amizades mais improváveis e comoventes da literatura contemporânea.
Gon entra na vida de Yunjae como um furacão, desafiando todas as regras que ele havia aprendido. E, aos poucos, ele se revela não só como antagonista, mas como catalisador da transformação de Yunjae. É uma relação intensa, desconfortável às vezes, mas incrivelmente real.
Personagens Secundários
A mãe de Yunjae e sua avó, embora apareçam menos do que se espera, são figuras fundamentais. A mãe, com seu amor quase obsessivo e sua tentativa de proteger o filho de um mundo que ela sabe que será cruel, é tocante. A avó, com sua simplicidade e ternura, representa o afeto silencioso. Ambas constroem a base emocional de Yunjae, mesmo que ele não consiga retribuir da forma tradicional.
A escrita de Won-pyung Sohn é sutil, limpa e quase clínica — o que faz todo o sentido, considerando o protagonista. Ela escreve como se fosse Yunjae narrando diretamente para o leitor: sem floreios, sem metáforas excessivas, mas com uma honestidade desarmante.
O ritmo é calmo, até lento em certos pontos, mas propositalmente assim. A narrativa convida à contemplação, à leitura atenta dos pequenos gestos. A sensação é de estar folheando as páginas do diário de alguém que está tentando compreender o que significa ser humano.
O estilo lembra, em certa medida, autores como Kazuo Ishiguro — introspectivo, cheio de subtextos, com um controle emocional preciso.
Amêndoas fala, antes de tudo, sobre sentir. Ou melhor, sobre o desafio de viver em um mundo que exige sentimentos quando você não sabe como experimentá-los.
Mas o livro também discute empatia, diferença, amizade, perda, e crescimento emocional. É uma obra sobre pessoas que vivem à margem da “normalidade” emocional e sobre como as conexões humanas podem acontecer mesmo nas formas mais inesperadas.
A metáfora das “amêndoas” — referindo-se à parte do cérebro responsável pelas emoções — é brilhante. E faz pensar: quantas pessoas ao nosso redor vivem como Yunjae, interpretando a vida sem sentir de verdade?
O livro emociona não com cenas grandiosas, mas com pequenos gestos, olhares, silêncios. É daqueles que te pega de surpresa, te arranca lágrimas sem gritar. Ele não te obriga a chorar — mas você chora mesmo assim.
Amêndoas é um livro que toca fundo com poucas palavras. É como uma carta escrita com delicadeza e guardada por anos, até que alguém finalmente a leia com o coração aberto.
A escrita sensível de Won-pyung Sohn, os personagens memoráveis e a abordagem honesta sobre neurodiversidade e relações humanas fazem desta obra uma joia rara. Um livro que não apenas merece cinco estrelas — ele merece ser lembrado. 🌟
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